Entenda quais são os mecanismos de hidratação da pele e porque eles são tão importantes para a determinação dos ingredientes de um cosmético hidratante
A pele é considerada uma das barreiras imunológicas dos seres humanos, uma vez que tem a capacidade de ‘filtrar’ a entrada de substâncias para o meio interno do corpo, além de possuir uma série de microrganismos que a habitam de forma simbiótica, fazendo com que a colonização por patógenos se torne mais difícil. Contudo, para que essa função imunológica seja preservada e funcione corretamente, é necessário que a pele esteja sempre saudável, o que está intrinsecamente relacionado com a sua hidratação.
Além da importância fisiológica da pele no controle da homeostase do organismo, é importante salientar que uma pele bonita – e, portanto, hidratada – é de extrema importância para a autoestima dos indivíduos, sendo, portanto, fundamental para a manutenção de uma boa saúde mental.
Muito provavelmente você já ouviu falar dos benefícios (anteriormente citados) da hidratação adequada da pele, mas você sabe exatamente como acontece esse mecanismo?
Saber quais são os mecanismos de hidratação da pele é tão – ou mais – interessante quanto saber o seus benefícios na hora de formular um cosmético. Sabendo disso, elaborei o artigo de hoje, no qual irei abordar os principais aspectos que envolvem a hidratação cutânea. Continue a leitura e aproveite esse conteúdo tão importante!
Neste artigo você vai encontrar:
- Mecanismos associados às estruturas celulares do SC (corneócitos e componentes do NMF);
- Mecanismos associados aos lipídios do estrato córneo.
Mecanismos associados às estruturas celulares do SC (corneócitos e componentes do NMF)
O estrato córneo (SC), ou seja, a camada mais externa da pele, tem a propriedade funcional de ser uma barreira seletiva de compostos entre o meio externo e interno do organismo, além das propriedades de resistência e maleabilidade, evitando assim que a pele seja extremamente danificada por choques mecânicos e/ou possíveis estresses que possa sofrer.
O SC é composto por uma camada de células anucleadas (corneócitos), que são envoltas em um envelope cornificado e contém no seu interior a queratina; além de uma matriz extracelular (MEC), na qual os corneócitos estão dispersos. Essa conformação pode ser descrita como modelo de tijolos e cimento – sendo que os corneócitos representam os tijolos e a MEC, o cimento.
Quando em ambientes com altos níveis de umidade, os corneócitos podem absorver grandes quantidades de água, podendo aumentar o seu peso em até 50% quando completamente preenchidos. Esse preenchimento por água não acontece uniformemente, sendo que os corneócitos tendem a aumentar seu tamanho mais no sentido vertical do que no horizontal – quando consideramos a camada cutânea como parâmetro de referência.
Em condições de baixa umidade relativa, os filamentos de queratina se encontram solidificados, o que influencia negativamente nas propriedades viscoelásticas e de absorção de água do estrato córneo.
Contudo, os filamentos de queratina não são os únicos componentes dos corneócitos capazes de reter água. Alguns compostos hidrossolúveis, chamados de fatores de hidratação natural (NMF, do inglês natural moisturizing factor), também possuem tal capacidade.
Estes compostos podem ser caracterizados como umectantes altamente eficientes, ou seja, grânulos que absorvem água da atmosfera e se ligam a ela, a ‘aprisionando’ e adicionando ainda mais conteúdo aquoso ao interior dos corneócitos. Tal processo acontece mesmo em condições de baixa umidade relativa, o que permite que o estrato córneo se mantenha hidratado mesmo em situações de desidratação do meio.
Grande parte do NMF pode ser representada por aminoácidos e seus derivados (como PCA de sódio, por exemplo). Outros compostos considerados parte do NMF, mas que se encontram externos aos corneócitos, incluem lactatos, ureia e alguns eletrólitos.
Antigamente, achava-se que o estrato córneo era um tecido morto. Porém, atualmente, diversos estudos demonstraram que, na verdade, este tecido é biologicamente morto – ou seja, a maioria das suas células encontram-se mortas -, porém bioquimicamente ativo, uma vez que diversos processos ocorrem neste tecido. Um destes processos é a formação dos componentes do NMF.
Uma análise sobre a composição dos aminoácidos presentes no estrato córneo levou à descoberta de que os componentes do NMF são produtos derivados da proteólise da filagrina.
A filagrina é uma proteína grande e rica em histidinas, localizada na camada córnea, um pouco acima da camada granulosa. A filagrina é derivada de um precursor denominado profilagrina, que possui alto peso molecular e fica localizada nos grânulos de queratohialina da camada granulosa. Quando as células granulosas são diferenciadas em células cornificadas, a profilagrina é desfosforilada e degradada em uma molécula básica, de baixo peso molecular: a filagrina. É nesse ponto que a filagrina começa a agregar filamentos, catalisando a formação de pontes dissulfeto entre as fibras de queratina. Estes agregados formarão o envelope cornificado, que envolve os corneócitos, permitindo que eles possuam o seu formato característico. Porém, a formação de fibras de queratina não é a única função da filagrina.
Esta proteína continua a ser degradada quase imediatamente após as fibras de queratina serem formadas. Um dos primeiros passos desse processo de degradação consiste na conversão de resíduos de arginina da filagrina em uma molécula chamada citrulina. Este processo aumenta a acidez da molécula de filagrina, resultando na perda do complexo filagrina/queratina e aumentando o acesso das enzimas proteolíticas. Nesse ponto, as moléculas da filagrina são completamente degradadas em seus respectivos aminoácidos e derivados, o que corresponde de 70% a 100% dos aminoácidos livres presentes no estrato córneo.
A conversão da filagrina aos componentes do NMF ocorre enquanto os corneócitos estão se movendo para as camadas mais superficiais do estrato córneo.
O tempo e a profundidade exata do estrato córneo onde essa degradação ocorre são fatores altamente dependentes da atividade da água nos corneócitos e da umidade relativa externa, sendo que em ambientes úmidos, a hidrólise da filagrina ocorre praticamente na superfície do estrato córneo, enquanto que em baixas umidades, a proteólise ocorre em camadas mais profundas, onde os componentes do NMF podem ajudar a prevenir o ressecamento da pele.
Muitos fatores podem influenciar o conteúdo do NMF. Alguns estudos demonstraram que grande parte desses compostos são retirados da pele durante uma rotina comum de limpeza. Além disso, a produção dos aminoácidos do NMF é influenciada por fatores intrínsecos e extrínsecos, sendo que em condições de baixa umidade relativa do ar (abaixo de 10%) acabam por prejudicar a função das enzimas responsáveis pela quebra da filagrina e consequente geração desses compostos, acarretando assim no ressecamento da pele.
Outros fatores prejudiciais à formação dos componentes do NMF são a radiação UV e o envelhecimento cronológico.
Outro composto higroscópico contido no SC e muito conhecido pelos cosmetologistas é o ácido hialurônico (HA). O HA é um dos principais componentes da derme, e alguns estudos demonstraram que ele também está presente na epiderme, onde possui papel relevante tanto na barreira epidérmica, quanto na hidratação da pele.
O HA possui função umectante, porém também é essencial para o funcionamento celular, uma vez que influencia os contatos célula-célula e célula-MEC. Estudos recentes demonstraram que o HA também influencia na regulação da diferenciação dos queratinócitos e na formação dos lipídios extracelulares.
O glicerol, componente higroscópico produzido pelas glândulas sebáceas, também é de grande importância para a hidratação do SC. Ainda não se sabe exatamente o mecanismo pelo qual esse composto atua, porém alguns estudos demonstraram que algumas alterações na hidratação intrínseca do SC, ao contrário do que se pensava, não estão relacionadas diretamente com alterações no conteúdo sebáceo da pele, mas sim, na quantidade de glicerol que essas glândulas produzem. Essa descoberta, segundo pesquisadores, pode mudar o rumo dos cosméticos hidratantes, que poderão possuir o glicerol como um de seus compostos para aumentar o seu potencial de hidratação da pele.
As estruturas lipídicas do estrato córneo
A matriz extracelular, ou seja, o “cimento” no qual os corneócitos estão imersos, é composta por 50% de ceramidas, 10% de ácidos graxos, 25% de colesterol e 15% de derivados de colesterol e glicosilceramidas.
A maior parte dos lipídios do SC são sintetizados pelos queratinócitos na camada superior dos estratos espinhoso (SS) e granuloso (SG).
Na interface SS-SG, ácidos graxos, esfingolipídios e outros precursores lipídicos são transportados para residir na matriz extracelular, onde formarão uma camada apolar, impermeável à água.
Os lipídios extracelulares, devido ao seu caráter hidrofóbico, formam uma barreira física contra a perda transepidermal de água e eletrólitos.
Esses lipídios são organizados em séries de membranas lamelares paralelas, organização fundamental para a formação de uma barreira estreita e extremamente eficiente. Diversos estudos demonstraram que a desorganização desses lipídios, bem como a deficiência na sua produção, são fatores que determinam diversas desordens cutâneas associadas com a deficiência na hidratação da pele, como pele atópica, dermatites e xerose senil.
Novos membros da família das ceramidas são constantemente descobertos, mas a ceramida-1 (a mais polar entre as ceramidas do SC) possui um papel principal na organização dos lipídios extracelulares.
Algumas pesquisas demonstraram que os sinais de envelhecimento cutâneo estão intrinsecamente ligados à deficiência no conteúdo de ceramidas, mesmo em peles com aparência saudável. Isso se deve à desorganização dos lipídios gerada pela falta das ceramidas.
O colesterol aumenta a fluidez dos lipídios intercelulares, além de contribuir com as propriedades elásticas da pele.
Os corpos lamelares também são de fundamental importância para a manutenção do estrato córneo, pois contém enzimas como hidrolases e proteases, que são responsáveis pela síntese de lipídios da camada córnea e pelo processo fisiológico de descamação.
O sebo, que é produzido pelas glândulas sebáceas, é responsável pela formação de um manto hidrolipídico na superfície da pele, participando assim na formação da barreira epidérmica. O sebo humano é composto por 47% de ácidos graxos, 17% de ceras de ésteres, 13% de ceramidas, 11% de escaleno, 7% de colesterol, 3% de triglicerídeos e 2% de ésteres de colesterol.
A ausência da produção de sebo está associada a diversas desordens cutâneas, como xerose senil e pele atópica.
Os ácidos graxos formam um substrato para a formação da acidez da superfície da pele, um mecanismo de defesa importante contra possíveis microrganismos patogênicos, além de manter a homeostase da barreira cutânea.
Quando aplicados topicamente, os lipídios não naturalmente produzidos pela pele (como os petrolatos, por exemplo) podem ajudar no tratamento das desordens relacionadas à deficiência na hidratação da pele devido à formação de uma barreira oclusiva que impede a saída da água do SC. Porém, tais lipídios não são absorvidos. Portanto, a aplicação desses agentes oclusivos é meramente paliativa.
Por outro lado, a aplicação tópica de lipídios fisiologicamente produzidos pela pele gera a absorção de tais componentes, aumentando o pool de lipídios extracelulares, auxiliando no tratamento efetivo da desidratação cutânea.
Diversos estudos sobre a utilização de lipídios em cosméticos hidratantes demonstraram que a utilização de algum grupo isolado de lipídios não é capaz de melhorar a situação da pele desidratada, sendo que em alguns casos, a utilização de ceramidas isoladas pode até mesmo piorar tal condição.
Por outro lado, a associação das três classes de lipídios naturalmente presentes na pele (ceramidas, colesterol e ácidos graxos) é capaz de reestruturar a função de barreira, fazendo com que hidratação da pele retorne ao seu estado natural.
Conclusão
A hidratação da pele é um processo complexo que possui vias celulares e extracelulares. Apesar de, por fins didáticos, este artigo dividir tais mecanismos nessas duas classes, é importante lembrar que a pele é um órgão ativo tanto fisiologicamente, quanto bioquímica e metabolicamente, e, portanto, todos esses processos ocorrem ao mesmo tempo nos organismos.
Os processos celulares de hidratação da pele ocorrem pela ligação da água a componentes hidrofílicos, como os filamentos de queratina e os componentes do NMF.
Já os processos lipídicos de hidratação da pele ocorrem devido à formação de uma barreira hidrofóbica que impede a perda transepidérmica de água, fazendo assim com que a pele retenha a sua hidratação.
Para o desenvolvimento de cosméticos hidratantes, é interessante que sejam utilizados ingredientes que associem ambos os mecanismos de hidratação da pele, para que a aplicação deste produto gere resultados eficientes, e não meramente paliativos.
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