Ainda hoje somos influenciados pelo método científico positivista e dualista que impôs a necessidade de quantificar as questões científicas. Com isso, os métodos qualitativos foram deixados à margem do respaldo científico, por não oferecerem dados significativos estatisticamente. Em hipótese alguma o objetivo aqui é questionar a importância do positivismo para a ciência atual, mas o de ressaltar a importância dos métodos qualitativos que ganharam força nos últimos anos e se mostraram muito úteis aos departamentos de Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação (PD&I) de empresas cosméticas de todo o mundo.
Muito além dos números, percentuais e taxas, em cosmética trabalha-se com o bem-estar e questões subjetivas que não podem – e não devem – ser expressas em números. Gostar de um produto porque possui toque seco pode ser, de certa forma, quantificável, mas o que é toque seco para os usuários? O que um consumidor entende por cabelo oleoso? Frizz é a mesma coisa para todas as mulheres ruivas de cabelos curtos? Um creme redutor de medidas tem a mesma percepção de eficácia para todos os usuários?
Como eu os induzi a um pensamento crítico e qualitativo, provavelmente as respostas a essas últimas questões podem ter sido semelhantes para a maioria dos leitores, mas a verdade é que não somos seres cujos sentimentos e percepções possam ser facilmente convertidos em números. Há anos venho defendendo uma atuação mais humanizada dos profissionais do P&D. Ir a campo observar o comportamento dos consumidores é tão importante quanto saber o crescimento do mercado de esmaltes. Da mesma forma que buscar a compreensão dos motivos que movem o consumo de esmaltes. Igualmente, conhecer as características subjetivas do gostar ou não gostar de um esmalte pode ser o fator decisivo para se sobressair à concorrência.
A realidade da maioria dos profissionais de PD&I é a criação de novos produtos baseados em tendências propostas por departamentos de pesquisa, de marketing ou dos fornecedores. Criam-se produtos para consumidores virtuais e imagina-se um tipo ideal que vai consumir aqueles produtos. Quem quer que esteja fora desse contexto deverá se adequar ao produto e não o contrário – você pode até achar que não, mas se não flexibiliza para o usuário, quem tem que ser flexível é ele (ou ela). Vale a pena explorar um pouco mais o universo da pesquisa qualitativa para oferecer produtos que atendam melhor aos anseios dos consumidores. Entre os métodos mais usados estão: a observação participante, no qual o pesquisador se insere no contexto dos consumidores; entrevista em profundidade,, quando os consumidores respondem a perguntas abertas sobre suas ideias e opiniões sobre um produto ou tema específico; e o grupo focal,, em que um grupo de consumidores discute um tema ou produto, acompanhados por um moderador. Não obstante os resultados dessas pesquisas serem geralmente restritos aos profissionais do marketing, seja por falta de comunicação ou por falta de interesse dos profissionais de PD&I, é imprescindível que um pesquisador de PD&I saia do local de trabalho. Deixar o escritório ou o laboratório por meio período e ter contato com consumidores faz toda a diferença.
Devemos nos aproximar dos consumidores, compreender suas reais motivações e desejos para atendê-los. Eles falam. Eles contam tudo. Eles sugerem novos produtos. Eles gostam de participar desse processo! Eles ajudam nosso trabalho. Não é à toa que vem crescendo a tendência da customização também no setor cosmético, pois todos querem se sentir únicos. Afinal, de médico, louco e antropólogo, todo mundo têm um pouco.
Gustavo Boaventura é o editor do blog Cosmética em Foco.
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