Durante muito tempo, o que definia o valor de um ingrediente cosmético era sua raridade, potência sensorial ou eficácia clínica. Mas, diante de um mundo marcado por escassez de recursos, crise climática e consumidores que exigem rastreabilidade e propósito, essa lógica está se esgotando. Estamos diante de uma mudança de era.
De acordo com o relatório Unlocking Sustainability Opportunities in Beauty and Personal Care, 2024 Euromonitor, os produtos com apelo sustentável cresceram 10% ao ano entre 2020 e 2023, superando os produtos convencionais. E mais: 62% dos consumidores globais se declaram preocupados com a mudança climática e priorizam escolhas com menor impacto ambiental.
Na in-cosmetics Latin America, esse movimento é visível. A edição de 2024 reuniu 230 expositores de 32 países e consolidou a ascensão de tecnologias limpas, bioingredientes e propostas regenerativas. E o tema da próxima edição, “Beleza em Evolução”, já deixa claro: a sustentabilidade não é mais tendência, é princípio básico.
Entre a escassez e a reinvenção
Diante de um consumidor cada vez mais volátil e de um planeta sob constante tensão climática, vivemos um paradoxo: de um lado, a busca obsessiva por performance e eficácia, muitas vezes ainda dependente de rotas sintéticas ou questionáveis. Do outro, o desejo por fórmulas naturais, éticas e seguras. Mas o verdadeiro desafio está além dessa bifurcação. Ele está em como vamos continuar extraindo da natureza sem destruí-la: ou melhor, como vamos contribuir para que ela se regenere.
A WGSN cunhou os termos permacrise e policrise para descrever o novo normal: múltiplas crises simultâneas, permanentes, que afetam clima, cadeias produtivas e acesso a recursos. Em síntese, estamos vivendo um cenário de escassez de recursos naturais e crise da biodiversidade tal que precisamos com urgência voltar nossos esforços e imaginação para preservar nossos recursos renováveis. Não há mais tempo a perder.
Nesse contexto, novas metodologias de extração se tornam protagonistas, e é justamente esse o ponto que quero destacar neste artigo.
Olhando para o futuro: os métodos de extração regenerativos
Quando falamos de um produto de beleza sustentável, não basta que o cosmético conte com ativos conhecidos por serem “naturais” ou “ecológicos”. Em vez disso, é fundamental investir em métodos de extração sustentáveis e regenerativos, que possibilitem a obtenção de ingredientes com eficiência e baixo impacto ambiental. Em outras palavras, ser apenas “sustentável”, hoje em dia, já não basta mais. É preciso liderar uma economia regenerativa.
Esse tópico é abordado por Marianna Cyrillo, palestrante e empresária do setor: “Quando pensamos em ingredientes naturais, a primeira pergunta que deveria vir à mente é sobre a obtenção desse insumo: como ele foi coletado, por quem foi coletado e onde foi coletado? Um ingrediente só é bom quando é bom para todo mundo. Desde quem coleta o insumo na ponta até quem irá utilizá-lo na pele. E é isso o que a economia regenerativa de ingredientes propõe“.
- Manejo agroflorestal regenerativo: Aqui, começo destacando um dos vários exemplos de manejo sustentável que respeita o ritmo da floresta e ainda gera renda local: a extração do Óleo de Copaíba. Na Amazônia, esse bálsamo é extraído diretamente do tronco da árvore que, de forma correta e com equipamentos e técnicas adequados, mantém a árvore em pé e viva, sem destruí-la.Marianna, que vivencia esse processo de perto, complementa: “Formamos uma rede de copaibeiros que recebem um valor justo por uma atividade que exige força, paciência e conhecimento profundo. Mais do que um ingrediente puro e potente, oferecemos rastreabilidade até o coletor, gerando renda digna e resistência concreta ao desmatamento dentro da bioeconomia amazônica”.
- Coleta sustentável e economia circular: Outro caso de destaque é a coleta da alga Sargassum, uma alga marinha flutuante, muito presente na Flórida, no México e no Caribe. Por se reproduzir em grandes quantidades — e em boa parte por conta do uso desenfreado de fertilizantes da agricultura que deságua no oceano, a sua presença começou a causar diversos problemas, tanto ambientais, quanto turísticos, nas praias dessas regiões. Diante deste cenário, a startup Carbonwave identificou uma oportunidade de transformar a alga em um biomaterial altamente inovador. O resultado? A criação de um emulsionante cosmético totalmente natural, alternativo às versões artificiais, premiado internacionalmente.
- Cultivo de microalgas em fotobiorreatores: Outro conceito que me encanta é o do cultivo de algas em biorreatores. A CODIF, empresa francesa especialista em ativos cosméticos de origem marinha, criou uma tecnologia capaz de reproduzir o habitat natural de algas de forma controlada e com reprodução sustentável. Este é o caso da alga “pom-pom” Jania rubens, que, dependendo dos estímulos ou nutrientes recebidos, é capaz de gerar ativos altamente tecnológicos, como a taurina, um ingrediente que promove ação antifadiga e energizante para a pele.
- CO₂ supercrítico e extração limpa: E, claro, não poderia deixar de citar o CO₂ supercrítico, o famoso dióxido de carbono que, quando submetido a uma temperatura e pressão específicas, atinge um estado físico que transita entre o gás e o líquido, permitindo a extração de ativos vegetais. Ideal para ingredientes sensíveis, este método dispensa o uso de solventes tóxicos e é considerado uma das tecnologias mais limpas da atualidade e vem sendo utilizada desde a extração de óleos essenciais e fragrâncias, até a extração de ativos.
- “Upcycling”, o resíduo como recurso: Aqui, o caminho é quase óbvio, mas merece ser destacado. O aproveitamento de materiais usualmente descartados pela indústria, especialmente a alimentícia, torna-se recurso precioso para criar ingredientes funcionais para formulações cosméticas. Cascas de frutas que se tornam óleos e manteigas vegetais, sementes ou grãos que seriam descartados tornam-se ativos com alto potencial cosmético. Como exemplo, destaco tanto o uso dos grãos de café verde quanto do óleo das sementes de maracujá, que se tornam ativos antioxidantes de alta eficácia com origem circular.
- Biotecnologia fermentativa: Outro caminho de que sou grande entusiasta tem seu estudo baseado no reino microscópico das bactérias, fungos e leveduras que, por meio da biotecnologia, transformam-se em ingredientes e moléculas altamente eficazes e biocompatíveis com nosso organismo. Dentre os itens de maior destaque, temos desde ingredientes clássicos, como as ceramidas, até o inovador ácido poliglutâmico, capaz de reter mais água que o ácido hialurônico (também obtido por meio de biotecnologia). Outras possibilidades também são notáveis, como ativos prébióticos e probióticos dedicados ao equilíbrio da microbiota da pele, até à criação de ativos originalmente de origem animal, como o colágeno vegano, obtido por meio da fermentação de leveduras.
- Tecnologia invisível – a IA também extrai sem tocar: Por fim, não poderia deixar de mencionar a IA como ferramenta para obtenção de um melhor aproveitamento dos recursos. Laboratórios de pesquisa ao redor do mundo já utilizam inteligência artificial para simular e otimizar processos de extração, reduzindo drasticamente o consumo de matéria-prima, energia e tempo de experimentação. Em vez de realizar dezenas de testes tradicionais, o algoritmo é capaz de prever as condições ideais para obter o maior rendimento com o menor impacto.
Quem planta, colhe
Sabemos que a indústria cosmética vem se esforçando para abraçar as chamadas práticas ecológicas e isso é reflexo claro do comportamento do público consumidor. Esse fator é comprovado com base, por exemplo, no Relatório Mintel Beleza Limpa e Consciente Brasil de 2024. O estudo demonstra que cada vez mais os aspectos relacionados à ética e à sustentabilidade fazem a diferença entre os consumidores, ajudando a diferenciar marcas e produtos clean. Na mesma pesquisa, atributos como “sustentável”, “livre de ingredientes tóxicos” e “sem crueldade animal” foram os mais mencionados pelos entrevistados brasileiros ao definirem um produto ou marca considerado de “beleza limpa”.
Mas vamos ser sinceros, é preciso sairmos do conceito “eco-friendly” como discurso. Nem sempre o natural é sustentável, nem sempre o sintético é a solução mais limpa. A nova geração de consumidores e, consequentemente, nossa própria indústria, será obrigada a não apenas reduzir danos, mas participar ativamente de uma economia regenerativa. E essa atitude como resposta de futuro requer não apenas storytelling bonito, mas investimento em ciência, com tecnologias limpas, rastreabilidade da cadeia, redes éticas e colaborativas. Especialmente na democratização dessas tecnologias para o mercado massivo, não apenas em marcas nichadas.
O fim da era da abundância irresponsável já começou. Em 2025, o Dia da Sobrecarga da Terra foi antecipado de 1º de agosto para 24 de julho — ou seja, em apenas sete meses, a humanidade consumiu tudo o que o planeta poderia regenerar em um ano inteiro. Por aqui deixo a reflexão: Os ingredientes do futuro não serão apenas eficazes; serão, acima de tudo, coerentes com um mundo que exige menos extração e mais regeneração.

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