Da dificuldade de comprar ao desapego para descartar

Um levantamento da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), realizado nas 27 capitais brasileiras, apontou que 47% dos consumidores brasileiros admitem que já comprara algum produto que nunca foram usados. O ato de comprar libera dopamina e essa seria a causa principal pela qual comprar nos faz sentir bem. No entanto, para os brasileiros há mais fatores envolvidos com o consumo – excessivo ou não? Isso é mero detalhe.

Nas últimas décadas, os brasileiros aprenderam a comprar e descobriram que isso é muito bom. Passamos anos com poucas opções de produtos nas gôndolas e sem dinheiro em casa para consumir além do básico, ou seja, foram anos, décadas, de demanda reprimida, de vontade de consumir e não poder. Os anos 1990 trouxeram com o Plano Real algo ao qual os brasileiros não estavam habituados: estabilização da inflação, que caiu de uma média de 40% ao mês para 12% e seguiu decrescendo. Enfim, o dinheiro começou a ter um valor confiável e os preços dos produtos puderam ser comparados. Em seguida, com a maior oferta de crédito e a distribuição de renda dos programas sociais, o cenário do ideal ao consumo exagerado foi construído. Com a possibilidade de comprar o que sempre quis, mesmo pagando em inúmeras parcelas que não oneram a renda familiar, o brasileiro se entregou aos prazeres do consumo. Sendo que as classes C, D e E apresentam tendência consumista maior que as classes A e B. Na pesquisa realizada pelo CNDL, 6 em cada 10 entrevistados admitiram já ter ficado “no vermelho” por adquirir algum item que não precisavam ter comprado e depois não tiveram como pagar. 

Um povo tão asseado e vaidoso só poderia acabar dedicando boa parte da sua renda à higiene e beleza. Como os 1,3% da renda mensal da classe C gastos com cabelos e unhas. Quase o dobro da despesa com o prato básico do país: arroz e feijão (0,68%), segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Por outro lado, nem tudo é vontade de consumir. Também estamos habituados à alta carga tributária que, por acaso, é de 50% para os cosméticos e 75% para os perfumes. Esta é a tributação sobre os produtos fabricados no Brasil. 

Com tudo isso, não é de admirar a dificuldade do consumidor brasileiro em se desfazer de cosméticos vencidos e embalagens quase vazias, conforme publicações de Maribel Suarez, Leticia Casotti e Roberta Campos, do Instituto de Pós-graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPEAD). Elas relataram que o descarte de cosméticos não obedecia uma avaliação racional. As consumidoras entrevistadas não se pautavam pela data de validade como critério principal, mas pela alteração no aspecto ou odor do produto. Para elas, bons produtos durariam mais tempo e a data de validade seria meramente uma estratégia da indústria para vender mais. O descarte na lata do lixo, a doação a outras pessoas ou o esquecimento do produto em algum local pouco acessado são algumas das alternativas para se desfazer dos cosméticos. 

Quanto maior o vínculo afetivo criado entre consumidor e produto, mais difícil é o momento do descarte. De tal forma que na mesma corrente, quanto maior a dificuldade ou o tempo de espera para se adquirir um produto, maior pode ser o vínculo afetivo selado entre ele e o consumidor.

Gustavo Boaventura é o editor do blog Cosmética em Foco.
http://www.cosmeticaemfoco.com.br/

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