O termo economia regenerativa tem transformado os processos operacionais de indústrias de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (HPPC). Trata-se de um conjunto de estratégias desenvolvidas para minimizar os impactos ambientais, como o apoio ao trabalho de uma comunidade de produtores para a preservação de um ingrediente natural e a destinação de embalagens para reaproveitamento em procedimentos de logística reversa, só para destacar alguns exemplos de iniciativas.
É fato que essas ações integram as políticas de ESG aplicadas nas empresas e têm como foco ampliar ações socioambientais que atendam às diretrizes dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), as ODS, conjunto de compromissos para tornar o mundo mais inclusivo e sustentável.
Neste sentido, o setor de cosméticos tem sido um dos que têm promovido uma série de iniciativas. Para conhecer algumas delas, a in-cosmetics Connect conversou com Paula Bonazzi Cremonezzi, gerente executiva de sustentabilidade da L’Occitane au Bresil.
Na entrevista, a gestora comenta sobre os desafios da economia regenerativa, o trabalho da multinacional no país e também traz algumas percepções do setor. Confira:
Perguntas:
in-cosmetics Latin America (incoslatam) – Como a economia regenerativa está transformando o mercado de cosméticos? Quais têm sido os principais desafios para as empresas desenvolverem um sistema operacional que tem como base princípios de economia regenerativa?
Paula Bonazzi Cremonezzi (PBC) – Muito tem sido falado nas empresas sobre economia regenerativa, o ESG também tem ganhado espaço e reforçado essa questão. Isso envolve trabalhar em prol do meio ambiente, valorizando os impactos positivos e reduzindo ao máximo as ações que, de alguma forma, são prejudiciais.
Apesar do tema ser abordado há algum tempo, o assunto tem trazido novidades e ganhado maior evidência. Para muitas pessoas ainda é algo novo, mas é fato que exige mudanças de paradigmas. Por isso, um dos desafios envolve a transformação cultural nas empresas, para que todos os envolvidos na cadeia produtiva (colaboradores, fornecedores, parceiros, clientes) caminhem na mesma direção. Outro é medir, acompanhar e avaliar o impacto das atividades operacionais desenvolvidas.
É muito fácil falar que a empresa faz economia regenerativa, mas o que significa, o que tem sido feito, como a gente mede os impactos das operações são apenas alguns dos desafios. Precisamos atuar no planeta para que consigamos continuar vivendo nele.
incoslatam – De que forma a L’Occitane Brasil tem atuado considerando todos os processos operacionais como pesquisa, desenvolvimento, comercialização de produtos e relacionamento?
PBC – Quando começamos a desenvolver um novo produto, nosso time de pesquisa e desenvolvimento (P&D) faz estudos na natureza, nos biomas em que atua, que envolvem a análise de ingredientes que tenham potencial de eficácia para os tratamentos que a empresa propõe, considerando e avaliando sempre os impactos positivos.
Acabamos de lançar uma coleção, com base em um ingrediente muito utilizado no sertão da Bahia, mas que em outros lugares poucos conhecem: o licuri. O ativo sofria com o desmatamento porque não tinha valor econômico. A L’Occitane descobriu, então, que o óleo de Licuri tem benefícios muito hidratantes para a pele e desenvolveu a linha de produtos, o que protege a espécie, gera valor e estimula os produtores a atuarem na conservação, mantendo as árvores de licuri na região.
Este é um dos exemplos que envolve a pesquisa de um novo ativo e o desenvolvimento do produto. A nossa fábrica também tem energia solar, mais de 50% das entregas são feitas com caminhões elétricos; e nas lojas contamos com um programa de coleta de embalagens para fazer a logística reversa. Temos ações que passam por todos os pilares, desde o início, a produção, a entrega, a loja e estamos sempre olhando como podemos reduzir ainda mais o impacto no planeta.
incoslatam – A empresa tem como “lema” “França na essência. Brasil por natureza”. Como o uso de ingredientes naturais na composição passa pelo pilar da economia regenerativa?
PBC – Temos um engenheiro florestal que está sempre em campo. Ele visita os produtores que trabalham com a empresa, buscando melhorar não só a produtividade deles, mas também o impacto nas regiões, em âmbitos social e ambiental. Além disso, temos um trabalho filantrópico, em que desenvolvemos agroflorestas na caatinga, no sertão da Bahia, e que beneficia algumas famílias. São sistemas de plantio com bastante diversidade de espécies, que melhoram a qualidade do solo, do clima e geram renda, porque parte dos alimentos produzidos e não consumidos podem ser comercializados.
Outro exemplo, assim como o licuri, temos o óleo de Patauá, que fomos buscar na Amazônia e fizemos uma casa de óleos na região. Temos diversas iniciativas. E o trabalho com os produtores tem sido positivo para a conservação das espécies e a valorização das riquezas do Brasil, que tem tanta biodiversidade. É algo que fortalece a preservação.
Temos também, no desenvolvimento das nossas fórmulas, a priorização de ingredientes naturais. Elas possuem acima de 80% de naturalidade. É um guide muito valorizado nos nossos produtos. Trata-se de uma diretriz global da L’Occitane in Provence, que fortalece esse pilar no grupo, mas eu diria que no Brasil temos um direcional e um princípio muito destacado dessa naturalidade.
incoslatam – O mercado brasileiro está entre os principais consumidores de cosméticos mundiais com faturamento de US$ 26 bilhões no ano passado. Isso também tem se refletido na preocupação de consumidores com iniciativas limpas e sustentáveis e resultados transparentes?
PBC – É uma tendência e as pesquisas têm apontado que os consumidores deverão valorizar marcas que tenham essas iniciativas. Ainda é algo bastante nichado. No Brasil, eu diria que quando vamos analisar a maioria da população, o poder aquisitivo não permite, muitas vezes, escolher entre uma marca e outra pelo fato de ser sustentável. No país, a escolha é feita pelo o que é possível pagar por um produto.
Então é uma tendência específica de alguns grupos de consumidores. Na minha opinião, ainda temos um longo caminho pela frente.
Outro ponto, na Europa, por exemplo, alguns dos mesmos produtos encontrados no Brasil atendem pilares de sustentabilidade e possuem certificações. O que não acontece por aqui. Com isso, quando comparamos o consumo, há uma grande diferença na quantidade de pessoas que estão escolhendo marcas por esse motivo.
incoslatam – O país pode ser um dos protagonistas no desenvolvimento de iniciativas para a economia regenerativa por meio das indústrias do setor? De que forma?
PBC – Eu acho que pode e tem muito espaço para isso. Assim como na pergunta anterior, temos um longo caminho pela frente, principalmente de regulamentações, legislação. Cito novamente o exemplo do continente europeu, com muita legislação com relação às mudanças climáticas, resíduos, plásticos e aqui, não avançamos tanto nesse sentido. E não apenas em criar uma legislação, mas também em fiscalizar, monitorar e cobrar iniciativas.
Apesar de sermos uma potência muito grande no assunto, com a biodiversidade que temos, ainda falta um reforço desses outros pilares na sociedade, que são necessários para que, de fato, o país possa se tornar referência no assunto.
incoslatam – Pesquisas sobre perfil de consumo mostram que as pessoas estão mais preocupadas com a procedência dos produtos que consomem e em como é a atuação da empresa, considerando as ações socioambientais desenvolvidas. Esse comportamento tem trazido novos desafios para pesquisadores e formuladores? Em que sentido?
PBC – Acredito que sim, há um olhar para ações de economia regenerativa porque é algo em que os consumidores estão atentos. Até, se compararmos o mercado de HPPC com os de outros produtos, outros bens de consumo, verificamos que o de cosméticos é um que tem bastante pressão por parte dos consumidores por ingredientes de origem natural. Então, o setor, na minha opinião, tende a estar mais à frente neste assunto.
incoslatam – A compra de crédito de carbono tem surgido como uma possibilidade de minimizar os impactos ambientais. Quais outras ações podem ser citadas considerando o desenvolvimento e a preservação socioambientais?
PBC – Eu diria que a compra de crédito de carbono não é suficiente para minimizarmos os impactos que temos no planeta. Hoje, se todas as empresas decidirem comprar crédito de carbono, não teremos espaço suficiente no planeta para plantar árvores. O processo vai muito além disso.
Precisamos que as empresas, de fato, se preocupem em reduzir o impacto negativo nas suas operações e estruturas. Como mencionei, temos implementado painéis solares, caminhões elétricos, medido o consumo de água e energia. Outras ações como reformular as composições de produtos, reduzir a quantidade de plásticos nas embalagens também são aplicadas. Ou seja, há muitas iniciativas que precisam ser feitas antes de começar a comprar crédito de carbono. Trata-se de uma opção, mas não pode ser a única, quando falamos em economia regenerativa.
incosla – Para onde caminha a indústria de cosméticos? Qual deverá ser a tendência para os próximos anos?
PBC – Tenho visto algumas pesquisas de tendência e elas têm evidenciado que a nova geração está muito preocupada com as mudanças climáticas. Isso mostra que as pessoas devem, cada vez mais, buscar empresas que estão atentas, falando sobre o assunto e desenvolvendo ações. A redução do plástico também é um tema em alta. O mercado já aponta algumas tendências, como cosméticos zero plástico ou até cosméticos sem uso de água, que a gente chama de waterless, por exemplo.
Com o tema “Ciência e Sustentabilidade”, a in-cosmetics Latin América abriu as portas para profissionais do setor de beleza e cuidados pessoais nos dias 28 e 29 de setembro, no Expo Center Norte (SP). No evento, foi possível conferir uma série de lançamentos, produtos e palestras envolvendo compromissos socioambientais.