Numa entrevista exclusiva para a in-cosmetics Latin America, Roberta Roesler, gerente de P&D da Natura fala sobre o foco muito bem definido da marca, visão de sustentabilidade, o crescente movimento das indie brands, o papel estratégico do profissional de P&D e de como tudo começa com a matéria-prima.
in-cosmetics: Considerando matérias-primas, qual a principal estratégia da Natura atualmente?
Roberta: Seguramente é unir ativos da biodiversidade brasileira com o melhor que existe no mundo para o desenvolvimento de produtos, levando benefícios para o consumidor.
in-cosmetics: Como a Natura traz para a prática esta questão da biodiversidade nos ingredientes.
Roberta: Por exemplo, o último lançamento da marca Ekos, a linha de Patauá, foi desenvolvido através de uma substância que os povos da floresta usavam para aplicação nos cabelos, extraída de um fruto de uma palmeira. Fizemos uma análise do ponto de vista genômico, ou seja, quais as moléculas da composição e como elas ativam, ou não, os genes no nosso couro cabeludo ou pele, aumentando ou diminuindo benefícios. O resultado visto em laboratório foi que esse fruto faz com que o cabelo cresça com mais força. Buscamos criar valor para a sociedade como um todo, com novos paradigmas na relação com comunidades agroextrativistas e na justa remuneração de seus serviços e dos ativos da biodiversidade.
in-cosmetics: Envolvendo elementos naturais, quanto tempo dura o processo de desenvolvimento?
Roberta: De um a três anos, dependendo da complexidade. Quando falamos de biodiversidade brasileira, dependemos das safras e precisamos saber quando elas acontecem para a coleta dos extratos e desenvolvimento dos ingredientes, que chamamos de bioativos.
in-cosmetics: Como é o processo de compra das matérias-primas que a Natura não desenvolve e o processo de escolha dos fornecedores?
Roberta: Temos uma equipe responsável pela plataforma tecnológica de desenvolvimento de matérias-primas, entre biólogos, farmacêuticos e engenheiros químicos, ambientais e de alimentos. Também temos um grupo focado em biotecnologia para encontrar formas sustentáveis de desenvolver ingredientes inspirados na natureza. Boa parte desses ativos são desenvolvidos pela própria empresa. Também temos parcerias com fornecedores como a Symrise*, por exemplo, que está conosco no Ecoparque, no Pará. Buscamos sempre no mercado quem são os melhores players, com as melhores práticas, preços justo e rastreabilidade. Para a seleção, focamos em fornecedores que possuem valores e ideais alinhados com a Natura e que, principalmente, ajudem a trazer o ineditismo para as fórmulas e forneçam ingredientes livres de impacto ambiental. Temos, inclusive, uma calculadora dentro de casa para fazer essa verificação antes da compra, considerando questões como processo de extração, se usa muita água, se gera muito resíduo.
*A Symrise é um expositor confirmado na in-cosmetics Latin America 2018
in-cosmetics: Qual o papel do profissional / departamento de P&D nesta etapa?
Roberta: Estratégico e de decisão. Esses profissionais são procurados por players de mercado e frequentam feiras do segmento em busca do que é diferente e do que há de mais avançado. Depois da compra há todo um suporte das áreas de suplementos, mas antes disso fica com a área de P&D os direcionamentos para uma aquisição alinhada com a estratégia e que atenda as especificidades de cada projeto, lançamento ou da marca como um todo.
in-cosmetics: Qual o grande desafio da indústria cosmética?
Roberta: Sem dúvida questões de sustentabilidade, pensando em um cenário de escassez de recursos. Como continuar desenvolvendo cosméticos sem comprometer toda uma cadeia? Como propor soluções viáveis para problemas atuais? Por exemplo, usamos testes alternativos aos de animais há mais de dez anos, quando pouco se falava nisso. Também temos um grupo só focado na biotecnologia para entender exatamente o que podemos usar. O emprego de materiais recicláveis, onde estamos investindo de maneira pesada, também é um exemplo.
in-cosmetics: Como o mercado reconhece o foco da Natura e todos estes movimentos?Roberta: De maneira muito positiva. Fomos a primeira companhia de capital aberto da América Latina a alcançar a certificação “B Corp”, que alia desenvolvimento econômico à promoção do bem-estar social e ambiental. Recebemos pela segunda vez, em 2017, o título de empresa mais sustentável pelo Guia Exame de Sustentabilidade, que é uma grande referência. Os prêmios são um reconhecimento do nosso trabalho ético, sustentável e do nosso compromisso com a verdade, principalmente pelo trabalho responsável com os povos da Amazônia. Nós valorizamos as pessoas e é muito gratificante ver, na prática, como a qualidade de vida delas melhorou com o nosso trabalho. Nesse sentido, um dos mais marcantes foi o “Campeões da Terra”, principal premiação ambiental da ONU. A Natura foi a única brasileira entre os vencedores da edição de 2015.
in-cosmetics: E como passar isso além da indústria?
Roberta: O marketing é super importante para ajudar a falar com o mercado, com o canal de vendas e com o consumidor. Passar toda a inovação para uma consultora, por exemplo, para que ela tenha como replicar o processo, o conceito e os benefícios. Fazer com que as pessoas entendam não só o uso e o resultado, mas o que vai no produto e os cuidados em todo o processo.
in-cosmetics: Qual o segredo para um crescimento sólido e sustentável?
Roberta: Entre tecnologia, inovação, estrutura, ter um propósito. O da Natura é muito claro e isso a faz diferente. A paixão que as pessoas têm pelo trabalho pode ser facilmente reconhecida. É, muitas vezes, optar pelo mais caro para não gerar um impacto negativo no meio-ambiente e trazer mais benefícios. E quando temos esse propósito definido, fica mais fácil identificar quem olha na mesma direção e que pode fazer parte da jornada. Um exemplo disso foi a aquisição de duas grandes empresas, Aesop e The Body Shop, marcas que compartilhavam propósitos semelhantes e que agora foram o grupo Natura&Co, uma nova força no mundo da beleza.
in-cosmetics: Existe um movimento crescente de indie brands. Qual a mensagem que você passaria para essas empresas pequenas que estão começando?
Roberta: As empresas precisam ter causa e as pessoas que trabalham nela precisam beber desse ideal, participando integralmente. A Natura mesmo começou com um patrimônio modesto, mas com uma visão clara de essência e futuro. Hoje é uma das maiores forças no setor de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos no Brasil e no mundo.